Hoje saiu no Valor um artigo interessante sobre o comportamento de quem abre uma gestora de investimentos (ou "Asset") no furor do bom momento da Bolsa. Vale a pena ler e refletir, pois o sucesso de uma empresa depende sim da Economia, mas o diferencial está na administração...
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Dizem que este é um ditado originário do Sul do país. As palavras não são exatamente estas (soa mais "amatutado", e muito mais divertido), mas, mesmo "apaulistanado", o sentido se encaixa bastante bem em algumas relações que se estabelecem na indústria de fundos. "À noite, por uma questão oportunística e utilitária, os porcos se amontoam para se isolarem do frio. E o sob da manhã, incomodados pelo contato inútil, que agrava o castigo do sol, mordem-se e afastam-se. À noite que se segue, indiferentes às feridas, amontoam-se novamente."
Novas gestoras brotam como cogumelos todos os dias no Brasil. Geralmente, se compõem por um ou dois meninos da Poli (ou FGV), cadeiras, mesas, computadores, uma agência de notícias e, se os sujeitos são menos apegados ao vil metal, um terminal Bloomberg. Contratam uma administradora e um agente custodiante para o fundo e começam a gerir recursos: dinheiro dos chamados "friends and families" (and "fools"!)... uns R$ 3 milhões, um pouco mais, um pouco menos. Escolhem um nome e estão prontos! Essa última etapa, embora pareça simples, não o é: nomes de bairros cariocas e deuses gregos já andam todos ocupados.
Mas, logo nos primeiros meses, os gestores percebem que estão "malvestidos para a festa", e que precisariam de uns R$ 50 milhões para que pudessem ser captados pelo radares dos grandes distribuidores. E que ainda lhes é cobrado que tenham processos de investimento e desinvestimento estruturados, tecnologia e suporte tecnológico, conhecimento de gestão institucionalizado, manual de ética e "compliance", mecanismos estritos de riscos, etc. Enfim, dão por si que uma gestora é uma empresa como outra qualquer.
Há dois botões vermelhos a serem apertados nestes casos: distribuidores de fundos e "seeders". Os primeiros são conhecidos e sua agenda comercial é simples: cobram uma porcentagem da taxa de administração e da performance para os clientes (geralmente clientela private) que conseguem atrair para as gestoras. Os "seeders" são menos conhecidos, mas também fáceis de entender: aportam recursos suficientes para gestão de forma que a empresa (a) atinja o equilíbrio financeiro e (b) passe a ser captada pelos radares dos institucionais. Para tanto, buscam participação na sociedade da gestora, diretamente, ou por meio de estruturas de opções de compra e venda do capital.
Como em toda relação de dependência unilateral, os gestores aceitam satisfeitos contratar distribuidores, mesmo que o façam sob termos comerciais bastante desfavoráveis aos "managers". E comemoram, vitoriosos, o selo de um "seeder" em suas assets: significa que passaram para um novo estágio, a caminho da maturidade da empresa. "Seeders" para gestoras são bastante comuns nos EUA e são regidos por métricas já consagradas.
Aqui, é uma indústria debutante, mas deve crescer explosivamente nos próximos meses: grandes players (fundos de private equity, family offices e mesmo assets) - enquanto lemos este artigo - viram noites organizando estruturas de "seeding". E por quê? Simplesmente porque uma gestora pode demandar um investimento similar ao necessário para se iniciar um restaurante de 150 m2 na Barão de Capanema, mas com a diferença que pode alcançar - em 3 ou 4 anos - uma capitalização de R$ 500 milhões em bolsa. O "melhor negócio do mundo". Digamos que 7 entre 10 assets que abram hoje venham a fechar, pelos mesmos motivos que um restaurante fecharia em 24 meses. Mesmo assim, private equity de asset no Brasil é um "negócio da China".
Mas, suponhamos que o camelo passe pelo furo da agulha e a gestora vingue. É um negócio de altíssima margem e, acima de R$ 1 bilhão de recursos sob gestão, se for uma casa dedicada a gerir fundos sofisticados, pode deixar algo com R$ 40 milhões, todos os anos. Imaginem: R$ 1 ou 2 milhões em investimentos para este fluxo de dividendos! Mas é aí, então, que amanhece o dia e os "porcos se mordem". O gestor passa a odiar o "seeder", que também odeia o distribuidor, que por sua vez odeia o gestor (e o "seeder"). "A" acha que "B" não merece ganhar tanto por tão pouco e "B" acha que "A" é ingrato, sendo que, sem sua ajuda, teria falido. "A" e "B" só concordam em uma coisa: que "C" é um explorador: não é justo levar 40% de todas as receitas da empresa apenas para distribuir seus fundos. "A" quer expulsar "B", que tem uma cláusula de venda forçada para "A". E "B" quer rever o contrato com "C", que jura nunca mais distribuir o fundo de "A".
Biologicamente, há inúmeras semelhanças entre porcos e homens. Comportamentalmente, parece que o padrão também se repete...
Marcos Elias é gestor do Fundo Galleas.